PROCESSO
0002751-51.2012.4.03.6100
AUTOR: MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL
RÉUS: SILAS LIMA
MALAFAIA, RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA & UNIÃO FEDERAL
Trata-se de ação
ordinária, ajuizada por MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do SILAS LIMA
MALAFAIA, RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA e UNIÃO FEDERAL, objetivando
obter provimento jurisdicional impondo aos Réus: a) obrigação de não fazer a
Silas Lima Malafaia e Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda.- No sentido de não
proferirem e não exibirem, respectivamente, comentários homofóbicos ou que
incitem violência ou desrespeito contra homossexuais; b) obrigação de fazer a
Silas Lima Malafaia e Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda. - Para que exibam
durante a veiculação do programa "Vitória em Cristo" mensagem de
retratação dos comentários homofóbicos proferidos, com duração de, no mínimo, o
dobro do tempo utilizado para exibição de referidos comentários e c) obrigação
de fazer à União, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do
Ministério das Comunicações, para que proceda à fiscalização da referida
exibição. Fundamentando a pretensão, afirma o MPF que a Procuradoria dos
Direitos do Cidadão instaurou em 25 de outubro de 2011 o Procedimento
Administrativo nº 1.34.001.006152/2011-33, com o objetivo de apurar a
ocorrência de manifestação de preconceito e incitação de violência contra
homossexuais em programa de TV aberta, proferida pelo réu, o pastor Silas Lima
Malafaia, no dia 02 de julho de 2011, com duração de 16 minutos e 23 segundos. Relata
que a instauração se deu a partir de reclamação encaminhada pelo Presidente da
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Trans-sexuais
- ABGLT. Posteriormente outras entidades também apresentaram reclamações a
respeito do caso. Afirma que houve juntada de correspondências de apoio ao réu
e apresentação de link para o vídeo completo do supracitado programa. Informa
que, em resposta ao ofício expedido pelo Ministério Público Federal
requisitando informações, o réu afirmou que sua manifestação tratou-se apenas
de "crítica severa a determinadas atitudes de determinadas pessoas desse
segmento social, acrescida também de reflexão e crítica sobre a ausência de posicionamento
adequado por parte das pessoas atingidas" e argumentou que a manifestação
combatida era apenas parte de uma frase retirada de seu contexto e, por fim,
que as expressões "baixar o porrete" ou "meter o pau"
significam "formular críticas, tomar providências legais". Assevera
que no vídeo em que consta sua declaração completa no programa "Vitória em
Cristo", aos 8 minutos e 10 segundos, o Réu Silas Lima Malafaia diz:
"Os caras na Parada Gay ridicularizaram símbolos da Igreja Católica e
ninguém fala nada. É pra Igreja Católica "entrar de pau" em cima
desses caras, sabe? "Baixar o porrete" em cima para esses caras
aprender (sic). É uma vergonha". Sustenta que as gírias "entrar de
pau" e "baixar o porrete" têm claro conteúdo homofóbico, por
incitar a violência em relação aos homossexuais, desrespeitando seus direitos
fundamentais baseados na dignidade da pessoa humana e mais do que expressar uma
opinião, as palavras do réu em programa veiculado em rede nacional, configuram
um discurso de ódio, não condizente com as funções constitucionais da
Comunicação Social. Aduz que no site "Verdade Gospel", indicado pelo
réu Silas Malafaia em sua defesa, este conclama seus fiéis a enviarem e-mail ao
Procurador da República signatário e ao Ministro da Educação, incluindo o endereço
de e-mail de ambos e, no vídeo resposta, presente no mesmo sítio, há pedido do
réu para que envie e-mail à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e, em
razão disso, centenas de e-mail e correspondências foram recebidos, com o texto
sugerido pelo réu, o que demonstra sua influência sobre seus espectadores. Questiona,
ainda, que da mesma forma que seus seguidores atenderam prontamente ao seu
apelo para o envio de tais e-mails, o que poderá acontecer se eles decidirem,
literalmente, "entrar de pau" ou "baixar o porrete" em
homossexuais? Alega que, diante dos fatos e da negligência da Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda. além da omissão da União em evitar a divulgação do conteúdo
homofóbico em rede nacional, pretende impedir que tais comentários voltem a
ocorrer e, ainda, alcançar a retratação e a devida proteção legal aos cidadãos
lesados, para que tenham seus direitos fundamentais efetivamente garantidos. Junta
documentos (fls. 09/137), atribuindo à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil
reais). Instados a se manifestar nos termos do disposto no artigo 2º da Lei nº
8.437, de 30 de junho de 1992 e, em atenção à prudência e aos princípios da
isonomia processual e do contraditório (fl. 141), a Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda., às fls. 150/155, aduziu, em síntese, no que se refere ao
pedido de concessão de liminar formulado pelo autor, que deve ser ele
indeferido sob pena de caracterizar censura prévia na programação da emissora
ré quanto ao programa "Vitória em Cristo", apresentado pelo corréu
Silas Lima Malafaia, cuja responsabilidade é de sua produtora independente,
"Associação Vitória em Cristo", uma vez que ambos serão afetados no
direito constitucional de liberdade de informação e de expressão de cada
indivíduo. Sustenta que a liberdade de pensamento engloba a liberdade de
externar opinião, de trazer a público o pensamento e a liberdade de expressão
consagra a crítica jornalística, que nada mais é do que uma atividade
intelectual anteriormente repudiada pela censura. Afirma que a liberdade de
imprensa, direito garantido pela Constituição Federal, não admite censura e
existe justamente para assegurar o direito a opiniões adversas e, por óbvio,
que não agrada a muitos. Assevera que a emissora não pode ser impedida de
veicular o programa em questão e, qualquer análise a respeito das falas do
correu Silas Lima Malafaia e as possíveis conseqüências que ela trouxer, devem
ficar no âmbito das ações indenizatórias, inclusive, com o direito de resposta
dos ofendidos. Aduz que não deve ser concedida a tutela pleiteada pelo autor
para impedir que a emissora ré continue veiculando o programa "Vitória em
Cristo", o qual é de responsabilidade da "Associação Vitória em
Cristo" e, cujos comentários, constituem livre manifestação de pensamento
do corréu Silas Malafaia a respeito do "homossexualismo", ressaltando
que a emissora prima pela liberdade de informação e respeita o direito
constitucional que garante a qualquer cidadão expressar-se livremente (art. 5º,
IX, da CF) e, tampouco exerce censura de natureza política, ideológica e
artística (art. 220, 2º, da CF) sobre o teor de qualquer manifestação de
pensamento. A União, às fls. 161/173, afirmou que a fiscalização pelo Poder
Público é feita com relação aos aspectos técnicos, pela ANATEL - Agência
Nacional de Telecomunicações, conforme determina o art. 211 da Lei 9.472 de
1997 e, em relação ao conteúdo da programação, é da alçada do Ministério das
Comunicações que, por questões de ordem administrativa delegou esta competência
à ANATEL. Afirma existir um cronograma anual constante no Plano Anual de
Fiscalização do Ministério das Comunicações, por amostragem, evidentemente,
visto a total impossibilidade de se fiscalizar, diuturnamente milhares de
rádios e televisões comerciais, além das rádios comunitárias e se assim não
fosse, restaria evidente a ocorrência de censura, vedada pelo texto
constitucional e, além disso, poderem os fatos serem levados diretamente ao
Ministério, através de denúncias pela própria população. Sustenta que, nos
termos das bem elaboradas informações encaminhadas pela Consultoria Jurídica do
Ministério das Comunicações, reitera a sua manifestação de ausência de
interesse em integrar a presente lide, não existindo, como restou bem claro,
pretensão resistida, pugnando pela sua exclusão definitiva da lide, visto que
não se encontra omissa em sua atividade fiscalizatória. Alega, como preliminar,
a ausência de interesse de agir do MPF, na medida em que não comunicou os fatos
ao Ministério das Comunicações e se o tivesse feito, certamente o Ministério já
teria adotado as providências necessárias e seria absolutamente desnecessária a
busca da tutela jurisdicional, até por absoluta ausência de lide, eis que não
há qualquer pretensão resistida quanto à necessidade de fiscalização e eventual
punição de entidades que incorram em infração às normas do serviço de
radiodifusão. Assevera que o feito deve ser julgado extinto sem análise do
mérito quanto à União e quanto ao mérito, alega que o Poder Público não está
omisso e atua rotineiramente na fiscalização das entidades outorgadas do
serviço de radiodifusão, poder-dever este realizado consoante o princípio da
reserva do possível, de modo que, acaso superada a preliminar, a ação deve ser
julgada improcedente no que tange à este ente federativo. Por sua vez, Silas
Lima Malafaia, às fls. 187/198, afirma restar evidente que a real natureza do
pedido é de antecipação dos efeitos da tutela final de mérito. Sustenta que,
mesmo em face da indispensabilidade do convencimento do magistrado quanto à
probabilidade do direito alegado pelo autor - que na antecipação de tutela se
forma sob cognição sumária - não se pode aceitar que a única prova existente
seja rigorosamente examinada - sem os adequados contraditório e ampla defesa -
com o objetivo de viabilizar o deferimento da tutela antecipada pretendida. Alega
que, se a única prova capaz de permitir eventual deferimento de tutela
antecipada é também a única prova existente nos autos em relação ao julgamento
do mérito, forçoso reconhecer que sua apreciação aprofundada pelo Juízo poderia
ocasionar a formação viciada de cognição sobre a matéria de fundo, o que se
daria antes do indispensável exercício do contraditório e da ampla defesa. Acerca
da defesa de mérito, aduz que será oportunamente apresentada e se debruça
exatamente no sentido da inexistência de qualquer discurso ou conduta
homofóbica ou que incite e estimule a violência por parte do mesmo. Assevera
que não há nenhum fato ou informação que justifique ou embase o temor
apresentado pelo Ministério Público Federal, pois o réu mantém seu programa de
televisão há muitos anos e nunca houve contra ele qualquer ação ou procedimento
semelhante ao enfrentado. Relata que esta informação indica, com meridiana
clareza, que o mesmo não ostenta conduta homofóbica e que, se de fato houve um
trecho de discurso homofóbico dentro de um de seus programas, o que não se
admite, constituiria fato isolado, sem nenhuma expectativa de repetição. Questiona
como aceitar que um pastor evangélico conhecido nacional e internacionalmente,
que tem seus textos, discursos e pregações expostos diuturnamente em todas as
mídias existentes, seja considerado um risco e sofra uma restrição judicial por
uma suposta situação isolada ocorrida em um pequeno trecho de apenas uma de
suas falas? Informa que se a suposta ofensa ocorreu em 02/07/2011, significa
dizer que, em todos os pronunciamentos do réu anteriores a essa data e nos mais
de sete meses após a veiculação do programa em questão, não houve mais nenhuma
manifestação que tenha atingido ou desagradado os grupos que o autor busca salvaguardar.
Requer o indeferimento da liminar pleiteada e a determinação do regular
prosseguimento do feito. A Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda. contestou o
pedido às fls. 199/212, sustentando, em síntese, sua ilegitimidade passiva ad
causam e o indeferimento da petição inicial, pois não pode ser solidariamente
responsável com o corréu Silas Lima Malafaia, posto que restou incontroverso
que o pastor evangélico e apresentador do programa "Vitória em
Cristo" emitiu opinião própria e desvinculada da linha editorial da
emissora. Afirma que o programa é uma produção independente e de
responsabilidade de sua produtora "Associação Vitória em Cristo",
razão pela qual a emissora não foi a responsável pela manifestação exarada por
terceiro, inexistindo qualquer consideração preconceituosa ou de concordância
da emissora em relação aos homossexuais. No mérito, aduz que apesar da emissora
ré não ser responsável pelas falas do correu Silas Malafaia, é possível
verificar que, no diapasão da liberdade de expressão garantida constitucionalmente,
o animus criticandi presente na pregação do pastor evangélico ao traçar
paralelos entre a religião, a ciência e a moral no tocante ao tema
"homossexualidade", inexistindo qualquer prática preconceituosa em
relação aos homossexuais. Sustenta que se tratou de uma opinião genérica que
tinha o óbvio intuito de criticar a conduta dos homossexuais perante os dogmas
religiosos por ele professados. Assevera que o fato do autor entender que
ocorreu a prática de discriminação e preconceito aos homossexuais, não impede
que o correu apresente um posicionamento filosófico/religioso a respeito dessa
questão. Afirma que resta evidente que o correu, ao tecer comentários
eloqüentes a respeito da homossexualidade, o fez assegurado pelo seu direito
constitucional de liberdade de expressão e pensamento, não podendo ser, por
isso, recriminado e condenado, tampouco a emissora que veiculou o programa com
as falas de responsabilidade do pastor evangélico. Relata que além da liberdade
de expressão e do exercício do animus criticandi, inexistiram ofensas
diretamente engendradas pela emissora em desfavor dos homossexuais, inexistindo
base jurídica para que sobreviva uma demanda contra um suposto interesse da
coletividade, pois, foram comentários gerais dispostos a democraticamente
contrariar a visão sobre a homossexualidade, o que não significa ofensa direta
a qualquer homossexual. Transcreve doutrina e jurisprudência que entende
enfatizar o seu posicionamento e, por fim, requer que a ação seja julgada
improcedente.
Vieram os autos
conclusos.
É o relatório.
Fundamentando, DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação
civil pública em que o autor pleiteia obter provimento jurisdicional, que
imponha: a) obrigação de não fazer a Silas Lima Malafaia e Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda no sentido de não proferirem e não exibirem, respectivamente,
comentários homofóbicos ou que incitem violência ou desrespeito contra
homossexuais; b) obrigação de fazer a Silas Lima Malafaia e Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda. para que exibam durante a veiculação do programa
"Vitória em Cristo" mensagem de retratação dos comentários
homofóbicos proferidos, com duração de, no mínimo, o dobro do tempo utilizado
para exibição de referidos comentários e c) obrigação de fazer à União, por
meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações,
para que proceda à fiscalização da referida exibição, sob pena de multa diária
a ser arbitrada, sem prejuízo do previsto nos parágrafos 5º e 6º do art. 461 do
Código de Processo Civil, bem como do art. 11 da Lei nº. 7.347/85, além de
responsabilização criminal, na forma do art. 330 do Código Penal e a condenação
dos réus ao pagamento de honorários advocatícios e demais despesas e custas
processuais, devendo ser o valor total recolhido ao Fundo de que se trata a Lei
nº. 7.347/85. No que se refere à antecipação da tutela em si, o nosso sistema
jurídico impõe que decisões judiciais sejam proferidas à base da lei, mas na
técnica de aplicação sempre se contém um propósito de solução justa. Regras de
hermenêutica têm sempre este sentido, buscam orientar o intérprete, pelo menos,
a resultados razoáveis. No caso, tratando-se de fato já ocorrido, a concessão
da tutela terminaria por impor antecipadamente, pelo menos para alguns dos
corréus, o provimento que se intenta como final, com a agravante da
definitividade e desta forma incompatível com a provisoriedade inerente de uma
liminar. Assim, por virtualmente esgotar quase por completo o objeto desta
ação, afora terminar por impor antecipadamente obrigações de fazer e de não
fazer aos corréus em caráter definitivo, com conteúdo inverso, porém
equivalente, em termos de permanência, às expressões proferidas na televisão,
ou seja, uma vez veiculadas se tornarão tão definitivas quanto às já veiculadas
e que jamais serão eliminadas, não importa que a parte se retrate, a
antecipação tutelar pedida é incabível. E, nada obstante a generosidade que se
deva ter no exame deste tipo de ação em face de seu objetivo na proteção de
interesses difusos da sociedade, não se pode ignorar de nela também exigir-se a
presença do binômio necessidade-utilidade que se traduz na aptidão de poder
atingir, de forma prática e útil, o efeito ao qual se preordena, sob pena da
atividade judicial resultar inútil e como tal acarretadora em inadmissível desperdício
de esforços e recursos públicos e, aí sim, com evidente prejuízo para a
sociedade. Oportuno também considerar, sobre o fato em que se sustenta esta
ação, que o vídeo mencionado pelo autor contendo as expressões empregadas pelo
pastor réu e consideradas homofóbicas que ora se intenta submeter a crivo
judicial, encontra-se à disposição de qualquer usuário na rede de internet que,
como se sabe, concebida durante a guerra fria para ser infensa a qualquer tipo
de controle de seu conteúdo por visar, exatamente, preservar o conhecimento da
humanidade, descentralizado porém acessível a todos, não permite que seja
eliminado. Mesmo agora a rede mundial se vê diante do fenômeno da WikiLeaks
divulgando informações consideradas "reservadas" pelo Governo dos
Estados Unidos, e nada obstante as tentativas da poderosa nação, verifica-se a
impossibilidade de eliminá-las ou mesmo de controlar sua divulgação. Nem se
afirme que isto pode ser feito através do Google, por exemplo, porque constitui
apenas um programa de busca de informações, que a partir de determinada palavra
digitada, através de algoritmos realiza pesquisa dos locais que a mesma pode
vir a ser encontrada em textos disponíveis na rede, ordenado os resultados de
acordo com a frequência de consulta, a revelar que a eliminação de determinada
informação nele constante equivaleria à eliminação de uma palavra de um
dicionário, situação absurda que, inclusive foi objeto de exame por George
Orwell em sua obra, 1.984. O exame do vídeo revela que o discurso do pastor réu
é mais um desabafo revoltado sobre a diferença da cobertura pela mídia da
Parada Gay e da Marcha para Jesus, revelando uma manifestação de frustração com
endereço certo, o jornal "O Globo", por entender que ambos os eventos
deveriam ter espaços noticiosos equivalentes, a ponto de observar que a Parada
Gay teria ocupado toda uma página daquele jornal e a Marcha para Jesus, um mero
quadrinho. Em relação aos participantes nestes eventos, que na Parada Gay teria
sido divulgado um volume de pessoas que não caberia na Avenida Paulista, a
menos que um estivesse sobre o outro. Desta forma, o discurso não se voltou nem
contra a Parada Gay e tampouco contra os homossexuais. Em relação à Igreja
Católica manifesta ter diferenças doutrinárias, porém entendendo que houve desrespeito
aos símbolos da Igreja Católica. A partir daí, afirma que a imprensa teria que
"baixar o porrete" e mais adiante as frases objeto desta ação. Em
termos de doutrinação dos fiéis, no final ao constatar haver esgotado seu tempo
com as críticas, afirma que a mensagem será divulgada na semana que vem. Passemos
pois, ao exame do pedido em si, no qual oportuno destacar não se poder tolher o
direito à crítica na medida que esta compõe exatamente o conteúdo da liberdade
de manifestação e expressão. Daí considerarmos que, sob o aspecto
"policial" ou de "censura" a questão envolve problemas
práticos e jurídicos mas, neste tema, o constituinte brasileiro teve o inegável
desejo de sepultar definitivamente a censura conforme se vê na redação das
seguintes disposições constitucionais: Art. 5º - Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:..."II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei; IX - É livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença...."Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação,
a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 1º
........... (omissis) 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza
política, ideológica e artística". (grifo nosso)E não comportam exceção: a
censura foi banida. Permite a Constituição à lei federal, única e
exclusivamente: "... estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à
família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio
e televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem como da propaganda de
produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente". Estabelecer meios legais não implica utilização de remédios
judiciais para obstar a veiculação de programas que no entendimento pessoal,
individual de alguém, ou mesmo de um grupo de pessoas, desrespeitem os
"valores éticos e sociais da pessoa e da família" até porque seria
dar a este critério pessoal caráter potestativo de obstar o exercício de
idêntica liberdade constitucional assegurada a outrem. Por esta razão a exegese
das disposições constitucionais deve ser realizada buscando uma interpretação
que as harmonize e as complete e, neste sentido. deve-se reconhecer evidente
conteúdo programático do Art. 221, da Constituição Federal ao enunciar
princípios a serem obedecidos pelas emissoras de rádio e televisão: I -
preferência à finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II
- promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente
que objetive a sua divulgação; III - regionalização da produção cultural,
artística e jornalística conforme percentuais estabelecidos em lei; IV -
respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. São princípios
norteadores da produção e programação das emissoras e, nos termos do artigo
220, 3º, inciso II, já citado, cabe à lei estabelecer regras de defesa da
pessoa e da família contra programas que maculem tais princípios. Proscrever a
censura e ao mesmo tempo permitir que qualquer pessoa pudesse recorrer ao
judiciário para, em última análise, obtê-la, seria insensato e paradoxal. Considerando
que o próprio MPF apresenta como paradigmas soluções judiciais no sentido da
limitação da liberdade de expressão, cremos oportunas algumas considerações de
José Afonso da Silva, que, a respeito do tema é taxativo: "Não cabe
censura, mas classificação para efeitos indicativos". De fato os
dispositivos constitucionais acima referidos se complementam. Enquanto a
censura é vedada pelos artigos 5º, IX e 220, 2º; o Art. 221, estabelece os
princípios a serem observados pelas emissoras; o Art. 220, 3º, II, autoriza à
lei enunciar os meios legais que garantam às pessoas a possibilidade de se
defenderem das programações ofensivas daqueles princípios e, finalmente, o
artigo 21, XVI, dispõe competir à União "exercer a classificação, para
efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e
televisão". Veja-se a este propósito a veiculação, por exemplo, de
propagandas de cigarros que se trata de produto nocivo "à saúde e ao meio
ambiente" (artigo 220, parágrafo 3º, "in fine"). Neste caso, a
defesa da pessoa e da família contra seus malefícios consiste na advertência do
Ministério da Saúde - recente em nosso País - que o produto faz mal à saúde
estampada nas embalagens e nos anúncios atualmente acompanhadas de fotos
chocantes incluindo fetos e crianças. Supõe-se que, com isto, o público está
defendido na medida em que se esclarece os malefícios do tabaco e não através
de uma atitude paternalista e hipócrita de impedir alguém de fumar, de assistir
programas, sob falso pretexto de esclarecê-lo ou mesmo de proteger crianças que
possam ter acesso à programação. De fato, em momento algum da história da
humanidade o impedimento à livre manifestação de pensamento ou ocultação de
informação serviu para beneficiá-la podendo-se mesmo afirmar o contrário quando
se observa que muitos dos conflitos que ainda existem se sustentam, exatamente,
na desinformação e na ignorância. A Constituição Federal de 1.969 em seu Art.
153, 8º, continha a seguinte disposição: "É livre a manifestação do
pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de
informação independentemente de censura ou licença, salvo quanto a diversão e
espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que
cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e
periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a
propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de
raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos
bons costumes". (grifos nossos). Mais ainda, no Art. 8º, VIII,
"d", enunciava ser atribuição da Polícia Federal "prover a
censura de diversões públicas". Assim, a Constituição revogada trazia uma
regra de liberdade: a de manifestação de pensamento, de convicção política ou
filosófica e duas exceções: a) a censura quanto a diversões e espetáculos
públicos e, b) a censura de quaisquer "publicações e exteriorizações"
contrárias a moral e aos bons costumes ou veiculadoras de "propaganda de
guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de
classe". Na Constituição atual, no que toca às diversões e espetáculos
públicos a modificação foi radical e substancial com a inserção da regra do
Art. 220, 3º, I, dispondo competir à lei federal "regular as diversões e
espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles,
as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada". Ora, se no que se refere às diversões
e espetáculos públicos a interferência do Poder Público é mínima e tão somente
indicativa, inexistente razão de exegese diversa no que diz respeito à
programação televisiva quando existe a possibilidade, sem risco de cometer
qualquer grosseria, de se mudar de canal com um simples toque de botão, o que
não acontece com os espetáculos públicos nos quais inexiste botão de desligamento
do personagem. E mais. Outra razão não há no Art. 21, XVI, declarar competir à
União exercer a classificação de diversões públicas e de programas de rádio e
televisão com efeitos indicativos, senão a de se afastar qualquer forma de
obstáculo à veiculação de programas. Trata-se, sem risco de cometermos
equívoco, da preocupação do Constituinte em, definitivamente, abolir a censura,
pois enquanto a Constituição anterior (Art. 153, 8º) mostrava-se plena de
exceções, a atual contém nada menos que três dispositivos dispondo,
taxativamente, sobre vedação da censura (Artigos 5º, IX, 220, "caput"
e seu parágrafo segundo).Através da pretensão dos autos, na medida em que
requer a proibição de comentários contra homossexuais em veiculação de
programa, sem dúvida que se busca dar um primeiro passo a um retorno à censura,
de triste memória, existente até a promulgação da Constituição de 1988, sob
sofismático entendimento de ter sido relegado ao Judiciário o papel antes
atribuído à Polícia Federal, de riscar palavras ou de impedir comentários e
programas televisivos sobre determinado assunto. honestidade intelectual,
confessa este magistrado que prefere canais que nem mesmo os filhos suportam, o
que indica não se prestar a opinião pessoal como padrão médio do que seria de
bom-gosto em matéria de televisão. E diante desta limitação a impor seja
abolido neste exame esta valoração, impossível não levar em conta que, em se
tratando de programação televisiva, o elemento dominante do conteúdo exibido,
seja um comediante imitando a presidenta, um repórter policial relatando as
mazelas de um bairro, uma apresentadora provando comida, outra mostrando
modelos em biquínis, exibição do cotidiano de mulheres ricas, exibição de
conflitos de família, do apresentador que imita celebridades, de um outro que
busca obter o DNA das pessoas e até mesmo algumas novelas em que, não
importando a condição econômica, há sempre uma mesa farta, sem contar a
exibição de corpos parcialmente nus, consiste na preferência do universo de
telespectadores a quem é dirigida, no que até mesmo a classe de renda tem
influência. Neste aspecto, em se tratando de canais abertos, para este Juízo, a
programação da rede cultura é excelente, todavia, não revela níveis de IBOPE
indicando grande número de telespectadores nela interessados. E por ser
exatamente o Deus IBOPE quem, afinal determina o conteúdo da programação
televisiva - que nada mais faz do que buscar aferir o número de telespectadores
do programa e indiretamente, suas preferências - pode-se concluir que é o gosto
dos telespectadores que dita a programação. É dizer, na programação busca-se
fornecer exatamente aquilo que o telespectador deseja ver, senão ele
simplesmente muda de canal com toda a comodidade que lhe é dada pelo controle
remoto. Antigamente ainda tinha de se levantar e dirigir-se até o televisor,
hoje graças a ele, até mesmo a veiculação de comerciais serve de pretexto para
a mudança de canal e se neste breve intervalo outra emissora estiver exibindo
programa mais interessante, o telespectador se deterá neste. Portanto,
impossível não concluir que se não é do gosto do telespectador o programa
fracassa. E isto é um fenômeno mundial pois observável em todos os países. Tome-se
de exemplo o programa "Big Brother Brasil" para cuja exibição há a
necessidade até mesmo do pagamento pela emissora, de "royalties" para
a holandesa Endemol. O que não falta no programa são desafios e brincadeiras
com os participantes, com claro propósito de se envolverem emocionalmente. Para
o telespectador, incentiva o voyerismo, graças a câmaras presentes nos quartos,
onde nem mesmo o escuro garante a intimidade, pois dotadas de infravermelho.
Nas brincadeiras empregam-se fantasias, festas, piscinas para justificar a
exibição do corpo dos participantes, o que aliás é empregado nas novelas nas
quais os atores bonitos têm que se exibir em camisetas justas, sem camisas,
etc. deixando-se os trajes completos para outros personagens mais velhos e não
"sarados". E hipocritamente, quando ocorre o inevitável, acusa-se o
participante de estupro pela passividade da parceira, ou seja, uma ausência de
maior participação desta termina por caracterizar um imaginado estupro pela
audiência inconformada com a imobilidade da parceira do ato. Este quadro de
aparente permissividade em cotejo com uma sociedade que, malgrado tal
programação na mídia, preserva seus valores, ou seja, permanece conseguindo
distinguir perfeitamente o moral, do imoral; o honesto, do desonesto; o
trabalhador, do vagabundo; o mocinho do vilão, enfim, o certo, do errado,
revela como única conclusão possível a dos programas veiculados na televisão
não terem a influência que se pretende atribuir-lhes como modelos de
comportamentos. Vê tais comportamentos como uma ficção à exemplo da série
"Jornada nas Estrelas"; "O Exterminador do Futuro"
protagonizado pelo que chegou a ser Governador da Califórnia, nos Estados
Unidos; "Avatar"; "12 homens e um segredo"; o desenho
"Rio" contendo personagens roubando relógios dos turistas,
"Tropa de Elite", ou "Sr. e Sra. Smith," ou seja, algo que
se passa em um mundo que não é o em que vivem e no qual os valores tradicionais
prevalecem. Impossível não ver no discurso do pastor um objetivo semelhante de
buscar obter audiência empregando as mesmas técnicas, ou seja, artifícios
teatrais a fim de obter atenção da audiência, para tanto, inclusive utilizando
a Igreja Católica para criticá-la por suposta omissão na proteção de seus
santos, como se, para os católicos, necessitassem eles de proteção. As
expressões proferidas não são reveladoras de preconceito se a consideramos como
manifestação de condenação ou restrição a um grupo de indivíduos sem levar em
consideração a individualidade de seus componentes, pois não se dirigiu a uma
condenação generalizada através de um rótulo, ao homossexualismo, mas ao
contrário, a determinado comportamento ocorrido na Parada Gay consistente no
emprego da imagem de santos da Igreja Católica em posições homoeróticas. Diante
disto, não pode ser considerada como homofóbica na extensão que se lhe pretende
atribuir esta ação, no campo dos discursos de ódio e de incentivo à violência,
pois possível extrair do contexto uma condenação dirigida mais à organização do
evento - pelo maltrato do emprego de imagens de santos da igreja católica - do
que aos homossexuais. De fato não se pode valorar as expressões dissociadas de
seu contexto. E no contexto apresentado pode ser observado que as expressões
"entrar de pau" e "baixar o porrete" se referem claramente
à necessidade de providências acerca da Parada Gay, por entender o pastor
apresentador do programa, constituir uma ofensa à Igreja Católica reclamando
providências daquela. É exatamente neste sentido que devem ser vistas, mesmo
que infelizes e inadequadas, e a rigor condenáveis mais pela ambiguidade
literal do que propriamente entendida popularmente. É cediço que a população em
geral utiliza tais expressões, principalmente na esfera trabalhista, para se
referirem ao próprio ajuizamento de reclamação trabalhista ao empregarem a
expressão que "vão meter a empresa no pau". Outros empregam a expressão
"cair de pau" como mera condenação social; "entrar de pau"
ou "meter o pau", por outro lado, estaria relacionado a falar mal de
alguém ou mesmo a contrariar argumentos ou posicionamentos filosóficos. Enfim,
as expressões empregadas pelo pastor réu não se destinaram a incentivar
comportamentos como pode indicar a literalidade das palavras no sentido de
violência ou de ódio implicando em infração penal, como pretende a
interpretação do autor desta ação. Em matéria de liberdade de costumes foram
acerbas as críticas à Woodstock por se temer que todos os valores sociais
escorressem pelo ralo. Em matéria de arte, o Cubismo escandalizou a França, e
entre nós, a Semana de Arte Moderna produziu equivalentes efeitos. Não há
piores exemplos à sociedade do que a violência contida em filmes ditos "de
ação" em que um assassinato, com requintes de crueldade, é cometido a cada
minuto e nos quais há pudor de exibí-lo antes de determinado horário, contudo,
cujas chamadas (trailer) ocorrem durante a programação do dia, entremeadas a
inocentes desenhos animados destinados às crianças, paradoxalmente, contendo
mais violência do que o próprio filme, pois dissociadas do contexto que a
explicaria. Lembremo-nos, ainda, como mencionado pelo Ministro do Supremo
Tribunal Federal Celso de Mello, no julgamento transmitido pela TV Justiça, da
ADPF 187, conhecida como a "liberação da marcha da maconha", que nos
anos 90, os componentes da banda "Planet Hemp" sofreram graves e
injustas restrições, inclusive da liberdade, por constar em letra de uma de
suas músicas, referência ao uso de drogas, o que não poderia, diante da
evidente liberdade de expressão, entender-se como apologia ao crime. (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF187merito.pdf).
Nesse julgamento, no qual, como relator, foi seguido integralmente por seus
colegas, o Ministro Celso de Mello explicou que a mera proposta de
descriminalização de determinado ilícito penal não se confundiria com o ato de
incitação à prática do delito, nem com o de apologia de fato criminoso. "O
debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser
realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a
ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha,
extravagante, inaceitável ou perigosa", ponderou. A ministra Cármen Lúcia
Antunes Rocha acompanhando o voto do relator cita a seguinte afirmação de um
jurista americano: "Se, em nome da segurança, abrirmos mão da liberdade,
amanhã não teremos nem liberdade nem segurança". Ela manifestou simpatia
por manifestações de rua e lembrou que, há 30 anos, sua geração era impedida de
se expressar pela mudança de governo na Praça Afonso Arinos, contígua à
Faculdade de Direito, em Belo Horizonte (MG), onde a ministra se formou. Já o
ministro Ayres Britto afirmou poeticamente que "a liberdade de expressão é
a maior expressão da liberdade, que é tonificada quando exercitada
gregariamente, conjuntamente, porque a dignidade da pessoa humana não se exaure
no gozo de direitos rigorosamente individuais, mas de direitos que são direitos
coletivamente experimentados". A ministra Ellen Gracie, por sua vez,
lembrou aos colegas que integrava a comissão internacional que estuda a
descriminalização das drogas e disse: "Sinto-me, inclusive, aliviada de
que minha liberdade de pensamento e de expressão de pensamento esteja
garantida". E, ainda, o último a votar, o presidente do Supremo à época,
Ministro Cezar Peluso, salientou que a liberdade de expressão é uma emanação
direta do valor supremo da dignidade da pessoa humana e um fator de formação e
aprimoramento da democracia. "Desse ponto de vista, (a liberdade de
expressão) é um fator relevante da construção e do resguardo da democracia,
cujo pressuposto indispensável é o pluralismo ideológico", disse. Ele
acrescentou que liberdade de expressão "só pode ser proibida quando for
dirigida a incitar ou provocar ações ilegais iminentes". Por fim, o
ministro advertiu que "o Estado tem que, em respeito à Constituição
Federal e ao direito infraconstitucional, tomar, como em todas as reuniões, as
cautelas necessárias para prevenir os eventuais abusos". Mas ressaltou:
"Isso não significa que liberdade em si não mereça a proteção
constitucional e o reconhecimento desta Corte".Neste panorama, considerar
presente dano apto a ensejar a concessão da liminar contra o pastor
apresentador do programa, da emissora e da União não deixaria de consistir uma
odiosa forma de censura, cumprindo lembrar, sob este aspecto que a própria Lei
de Imprensa foi considerada inconstitucional pelo STF (ADPF 130).Neste outro
julgamento, o Ministro Menezes Direito, acompanhando o voto do relator, afirmou
que: "Não existe lugar para sacrificar a liberdade de expressão no plano
das instituições que regem a vida das sociedades democráticas", revelando
que há uma permanente tensão constitucional entre os direitos da personalidade
e a liberdade de informação e de expressão. "Quando se tem um conflito
possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade. O
preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que
o preço da livre circulação das idéias", completou, ao citar que a
democracia para subsistir depende da informação e não apenas do voto. Segundo o
Ministro Menezes Direito, "a sociedade democrática é valor insubstituível
que exige, para a sua sobrevivência institucional, proteção igual a liberdade
de expressão e a dignidade da pessoa humana e esse balanceamento é que se exige
da Suprema Corte em cada momento de sua história". Ele salientou, ainda,
que deve haver um cuidado para solucionar esse conflito sem afetar a liberdade
de expressão ou a dignidade da pessoa humana. Portanto, vê-se como insuficiente
para configurar o dano, a opinião isolada do Senhor Procurador da República que
pode até mesmo coincidir com a da Associação que encaminhou a reclamação para
instauração de procedimento administrativo, todavia, diante da ausência de
qualquer repercussão objetivamente aferida, ou seja, de um efetivo dano causado
pelas falas exibidas, figura impossível considerar a presença de dano justificador
da intervenção judicial. Solução diversa seria um retorno, repita-se, à
malsinada censura existente até a promulgação da Constituição Cidadã de 1988,
agora sob o sofismático argumento de se encontrar transferindo ao Judiciário o
papel antes atribuído à Polícia Federal, de selecionador da programação de
televisão e estipulação das que podem ou não ser assistidas pelos brasileiros,
ou mesmo de, como no caso, impor obrigação de não fazer, limitando o direito de
expressão do pastor apresentador. Que, inapropriadas, de péssima ou infeliz
escolha, inoportunas e arriscamo-nos em afirmar contraditórias, para quem prega
o cristianismo, não se tem dúvida, e com as quais este Juízo jamais poderá
concordar, todavia, como diria Voltaire e muito ouvida nos corredores da PUC
enquanto este magistrado ainda estudante: "posso não concordar com nenhuma
das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você
dizê-las" o juramento estrito do cumprimento da constituição impõe a este
Juízo afastar qualquer restrição ao direito de expressão do pastor corréu. Da
mesma forma, deixa-se claro, não entender este Juízo como desrespeito aos
católicos o emprego de santos na Parada Gay visto que associados ao emprego de
cautela com a saúde e em nenhum momento poderia ser interpretada como destinada
a uma deliberada agressão à Igreja Católica. Tanto assim, que não se viu nenhum
católico saltando do alto de edifícios ou se imolando em praça pública por ver
ameaçadas suas convicções religiosas ou mesmo pegando em armas na defesa de sua
fé. Aliás, não fosse pelo indignado pastor, que nem mesmo crê em santos, em seu
revoltado discurso e tudo isto seria ignorado pela imensa maioria de
brasileiros e, evidentemente, esquecido pelos p Não haveria diferença entre as
formas de censura, quer pela proibição do discurso do pastor ou pelo indevido
emprego da imagem de santos, qualquer delas se mostrando igualmente odiosas na
medida em que através dela se outorgaria a um órgão estatal o poder de decidir
sobre o que deveria ser visto ou como alguém poderia se expressar. Seria uma
mero condicionamento da liberdade pelos valores individuais deste magistrado ou
outro censor qualquer, e o que seria pior, uma legitimação da transferência da
iniciativa de processo de censura ao MPF ou mesmo a qualquer pessoa que se
julgasse incomodada por uma expressão julgada ofensiva, fosse ela uma expressão
artística, uma postura filosófica, uma obra de arte, uma fotografia, enfim,
qualquer expressão de comunicação. Sobre este aspecto a transcrição de excerto de
artigo de Luiz Felipe Pondé, intitulado MCLANCHE INFELIZ, sob comentário de
"daqui a pouco vão proibir mulheres de saia curta em propagandas de
cerveja" (disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0709200913.htm).
"O problema com este higienismo é que ele pensa combater em nome da
liberdade, mas, na realidade, restringe ainda mais a liberdade, esmagando-a em
nome desta senhora horrorosa que se chama "cidadania". Esta senhora,
que tende ao desequilíbrio quando se faz cheia de vontades, nasceu sob o sangue
da revolução francesa, e dela guarda seu gosto pela humilhação. Deve, portanto,
permanecer sob "medicação", porque detesta o homem comum e sua
miséria cotidiana que carrega nossa identidade mais íntima. Sob a égide da
defesa do bem comum, ela, quando investida da condição de rainha louca da casa,
amplia o sentido dessa "coisa pública" elevando-a a categoria de uma
geometria moral da intolerância. "Os discursos de ódio ou os que incitam a
violência são totalmente diferentes do apresentado nos autos e muito mais
claros ao telespectador do que as gírias utilizadas pelo apresentador ao
expressar sua opinião acerca do evento "Parada Gay" e impedi-lo de se
expressar, seria o mesmo que defender a odiosa confusão entre
"opinião" e "preconceito", além de malferir as garantias
constitucionais à liberdade de expressão. Neste aspecto, oportuno ainda que se
destaque o voto vista do Ministro Carlos Ayres Britto, no julgamento no STF do
HC 82.424, em que descreve três comportamentos especialmente normados como excludentes
da abusividade do direito à liberdade de manifestação do pensamento, da
seguinte forma: "Comportamentos ditados por imperativos de consciência e
que são, pela ordem com que a Lei Maior a eles se referiu: a crença religiosa,
a convicção filosófica e a convicção política. Matéria que também faz parte da
altissonante nominata dos direitos e garantias individuais, a saber:
"ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção política ou filosófica, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação social
alternativa, fixada em lei" (inciso VIII do art. 5º). Logo, de fora a
parte essa ressalva que se lê na parte final do dispositivo, a liberdade de
expressão ganha um decidido reforço constitucional. Desde que utilizada,
evidente, numa das três explicitadas esferas da mais íntima subjetividade
humana: a crença religiosa, a convicção política e a mundividência ou
cosmovisão política". (disponível em http://redir.stf.jus.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=HI6HC07+zJ&dl).
Por tudo isto e diante da clareza das normas acima transcritas, impossível não
ver na pretensão de proibição do pastor corréu de proferir comentários acerca
de determinado assunto em programa de televisão e da emissora de televisão
deixar de transmitir, uma clara intenção de ressuscitar a censura através deste
Juízo. Para os que não aceitam seu sepultamento - e de todas as normas
infraconstitucionais que a previram - restam alternativas democráticas relativamente
simples para a programação da televisão: a um toque de botão, mudar de canal,
ou desligá-la. A queda no IBOPE tem poderosos efeitos devastadores e mais
eficientes para a extinção de programas que nenhuma decisão judicial terá. Paradoxalmente,
embora não haja nada mais velho e ultrapassado que jornal do dia anterior - o
que se dirá de programa de televisão - o ingresso deste debate em juízo
terminará por permitir uma sobrevida no discurso do pastor, que estaria
superado não fosse esta ação. Como contraponto final cabe observar que um
conhecido conjunto de Rock, contratado especialmente para se apresentar em
Congresso de Juízes Federais realizado em São Paulo, encerrou sua performance
com a música "Vossa Excelência" cuja letra não contém exatamente
elogios a magistrados e, nada obstante, não só foi aplaudido como apresentou-a,
atendendo a pedidos dos próprios Juízes presentes em cujas cabeças jamais
passaria a idéia de qualquer condenação por se considerarem ofendidos. Pelo
exposto, por não visualizar na presente ação, quer nesta fase, por visualizar
superada a veiculação da crítica impugnada na medida em que já realizada e
armazenada na rede mundial de computadores, cumprindo observar que eventual
eliminação dos comentários ou do programa em si, nunca impediria que houvesse
sua repercussão por outros, bem como, no futuro, de desfecho juridicamente
possível sem que se reinstitua, judicialmente, a censura de palavras e de
expressões, outra solução não há que a de abortar, desde já, o andamento da
presente ação.
DISPOSITIVO: Ante o
exposto, por reconhecer a impossibilidade jurídica do pedido, INDEFIRO A
INICIAL E JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito, com fulcro no
artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Custas ex lege. Deixo de
impor condenação relativa aos honorários advocatícios por não visualizar a
hipótese de sucumbência autorizadora. Após o trânsito em julgado, arquivem-se
os autos. Publique-se, Registre-se, Intime-se.
Disponibilização
D.Eletrônico de sentença em 03/05/2012 ,pag 178/344
juiz federal
Victorio Giuzio Neto
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