segunda-feira, 26 de março de 2012

O caos partidário à luz de dois filósofos ou, se preferem, o caos filosófico à luz dos atuais partidos


Num ponto todos os brasileiros  que acompanham o cenário político parecem estar de acordo:  os nossos  partidos políticos  encontram-se numa fase não muito brilhante.

À parte a velhinha de Taubaté – aquela simpática senhora que  nasceu da cabeça do  Luís Fernando Veríssimo -, será que alguém discorda da afirmação acima? Talvez uns quatro ou cinco  petistas, três tucanos, meia dúzia de peemedebistas – sei lá. São as exceções que confirmam a regra.

Apesar disso, eu penso que  a atual situação partidária pode ser  vista  por dois  ângulos diametralmente opostos. Opostos  e  igualmente consistentes.  Tentarei explicá-los.

O primeiro pode ser apropriadamente designado como o ângulo  heraclitiano; o termo é uma  pequena homenagem que faço a Heráclito, um dos grandes filósofos do período pré-socrático. É o ponto de vista de quem se concentra no quadro político  tal como o vê, não como o imagina, dia após dia; de quem vai registrando  tudo o que acontece, a cacofonia, as ramificações todas -  ou seja, essa confusão  que nos acostumamos a chamar de sistema partidário.

Esse sistema, salvo engano,  nem os jornalistas sediados em Brasília – treinados para suportar qualquer coisa -, estão mais aguentando.

Tempos atrás,  numa brilhante sacada, o cientista político Sérgio Abranches descreveu o mecanismo institucional brasileiro como um “presidencialismo de coalizão”.  Eu não sei como o Sérgio vê o quadro atual, mas não me surpreenderia se ele o descrevesse como um “presidencialismo de fissão”, ou  “em combustão”, ou qualquer outra coisa terminada em “ao”.

Se o  primeiro ponto de vista é heraclitiano, ao segundo nós podemos denominar  parmenidiano.  É uma homenagenzinha a Parmênides, outro pré-socrático.

O observador que olha o mundo pelo prisma parmenidiano procura não se deixar prender  pelos  detalhes, desavenças  e supostas crises   que  fazem as manchetes dos  jornais.  O dia a dia não é com ele. O que lhe  importa   são  as tendências subjacentes  à balbúrdia; são rumos mais ou menos constantes que poucos veem, mas que existem; ou seja,  as  estruturas latentes que ao fim e ao cabo revelar-se-ão mais importantes  que todo esse ruído que as nossas antenas não param de captar.

Terá Parmênides  o condão de nos trazer algum otimismo?

Otimismo eu admito ser improvável, mas um pouco de estômago, eu creio que sim. Pela ótica parmenidiana, é possível especular  que o sistema partidário  está bem ou mal configurado em em torno de uns poucos polos, e que tais polos  fazem sentido, têm consistência  – ou pelo menos que são inevitáveis  na presente  etapa de nossa sociedade.

Comecemos pelos dois polos mais comentados, o PT e o PSDB.  Se um dia desses, na calada da noite, uma insondável  potência intergalática aqui aparecesse  e destruísse todos os registros e sequestrasse  os principais lideres de ambos, o que aconteceria? Meu palpite é o de que logo logo dois outros seriam fundados, possivelmente com outros nomes, mas idênticos em tudo o mais – inclusive na antipatia mútua.

A razão disto é muito simples. O Brasil tão cedo não dispensará ou não conseguirá se livrar  de uma corrente política meio populista ou popularesca, apoiada em razão de uma  obscura mescla  de devoção ou identificação  com lideres carismáticos  (no que tange ao povão) com complexos de culpa e ganhos  pecuniários setoriais (no que toca às camadas não-manuais e  ao establishment  social).  O PT é isso.

Mas o Brasil também não dispensa e dificilmente conseguiria se livrar  de  uma aspiração de modernidade, de uma sociedade disposta a atingir altos índices de desenvolvimento educacional e tecnológico, de um convívio político  baseado em premissas realistas de  legalidade e civismo etc etc – tudo isso obviamente implicando  um projeto de  crescimento fundado no respeito ao setor privado, na expansão da pequena e da média empresa, no aumento da produtividade  e numa crescente racionalidade na política econômica e na administração pública. O PSDB é isso; ou melhor, dificilmente será alguma coisa, se não for isso.

O que nem o Parmênides conseguiu ainda entender direito é o papel das demais agremiações. Mantendo, porém, o espírito otimista dos parágrafos anteriores,  talvez se possa dizer que pelo menos algumas delas – o PMDB, principalmente, têm também um potencial de consistência. Digo potencial porque, hoje, o PMDB é, como direi, um…um aglomerado, uma miríade, uma federação de  grupos dominantes regionais especializados em se perpetuarem como grupos  dominantes regionais.  Mas não descabe imaginá-lo como um partido-algodão, ou seja, um partido também especializado em se interpor entre o PT e o PSDB a fim de evitar azedamentos  excessivos ;  um papel mais ou menos como  o que o PSD (não confundir com o PSD do Kassab) desempenhou entre 1945 e 1964.

O problema , evidentemente, é que há por aí muitos algodões, ou aspirantes a algodão; no momento, se não me falha a memória, o número de partidos registrados já chegou a 30. Paciência, nada é perfeito. Com Heráclito, Parmênides e muita fé em Deus, tudo se resolve.


Blog Exame do Bolívar Lamounier

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