Por Lilian Matsuura
A ministra Eliana
Calmon determinou o início das audiências na ação penal proposta pelo juiz
federal Ali Mazloum contra a procuradora federal Janice Ascari. Além do juiz,
serão ouvidas as testemunhas indicadas pela integrante do MPF: o deputado
federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), o empresário Luís Roberto Demarco e o
jornalista Luis Nassif.
A Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça recebeu a queixa-crime contra a procuradora em
dezembro de 2010. Contra esta decisão, Janice pediu Habeas Corpus ao Supremo
Tribunal Federal, mas não obteve sucesso, ao menos liminarmente. Ela é acusada
de calúnia, difamação e injúria, por comentários feitos no blog de Luís Nassif.
O juiz Ali Mazloum
presidiu ação na qual é apurado vazamento de informações no processo que
investiga se a famigerada operação satiagraha, comandada pelo então delegado
Protógenes contra o banqueiro Daniel Dantas, que teria sido arquitetada e
dirigida pela iniciativa privada. Depois que o juiz determinou a extração de
cópia dos autos para instauração de inquérito policial, Nassif publicou notícia
em seu site, intitulada "Satiagraha e a falsificação dos fatos".
Nassif escreveu: “O
juiz Ali Mazloum se pronuncia e suas supostas ligações telefônicas entre Luís
Roberto Demarco e o delegado Protógenes para ordenar a abertura de mais
inquéritos e para supostamente comprovar motivações comerciais na satiagraha.
Aqui mesmo, uma entrevista com Demarco lançou dúvidas sobre esse suposto
levantamento de telefonemas. Ontem, foi enviado um comunicado à imprensa
mostrando que toda a argumentação de Mazloum, para tentar comprometer a
Satiagraha, se fundava em informações falsas. Ainda que acredite que Mazloum é
um homem de bem que foi enrolado por dados falsos".
Ele referia-se ao
levantamento feito pela Polícia Federal em que se apurou que, durante a fase
sigilosa da satiagraha, Demarco e Protógenes teriam trocado mais de cem
telefonemas.
Ao comentar a
notícia, Janice escreveu que "o inquérito que resultou na denúncia contra
o delegado Protógenes e outro policial foi instaurado para apurar o vazamento
de informações da operação satiagraha. Nesse inquérito, como prova da
desmoralização da Justiça brasileira, houve o vazamento do vazamento”.
Em junho de 2011, a
5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou a operação da satiagraha da
Polícia Federal, anulando, inclusive, a condenação do banqueiro Daniel Dantas
por corrupção ativa. Por três votos a dois, o STJ considerou que a atuação da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação da PF violou os
princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido
processo legal.
Acusação
Na queixa-crime, Ali
Mazloum afirma que a procuradora não esclareceu em seu comentário quem teria
propiciado o vazamento de informações “dando a entender, sibilinamente, que
teria sido obra do magistrado”.
Para ele, houve
ofensa à sua dignidade de juiz e de sua honra de cidadão. O crime de calúnia
estaria configurado quando Janice atribui a ele exorbitância das suas funções,
acusando o de abuso de poder e, ainda, do crime de prevaricação, que emanou da
afirmação de que promovia linhas de investigação "pró-Dantas" e, por
fim, o crime de violação de sigilo funcional.
O crime de
difamação, de acordo com o juiz, teria ocorrido quando a procuradora cogita a
existência de um esquema para blindar e apartar os verdadeiros criminosos e
denegrir a imagem dos investigadores, o que, segundo a acusação, teria levado
os leitores do texto a concluir que o juiz faria parte de tal esquema.
O crime de injúria
decorreria das mesmas afirmações, que seriam também injuriosas, ao atacar a sua
honra subjetiva. Em caso de condenação, Janice Ascari poderá perder o cargo.
Defesa
A procuradora
federal Janice Ascari afirma que a conduta é atípica, uma vez que apenas
exerceu o direito de crítica, como cidadã, em um caso que teve grande
repercussão e causou muita polêmica na sociedade.
No Habeas Corpus
levado ao Supremo, afirma ainda que a queixa-crime é inepta porque não
individualiza e nem relaciona as condutas aos tipos penais de que é acusada.
Janice também
questiona a decisão da Corte Especial do STJ, dizendo que houve deficiência na
fundamentação, além de o julgamento ter sido feito em maioria por ministros
convocados, o que violaria o princípio do juiz natural. Para a procuradora, o
jornalista Luis Nassif também deveria ter sido citado no processo.
Dano moral
Pouco antes do
recebimento da Ação Penal pelo STJ, a procuradora foi condenada a indenizar o
juiz Ali Mazloum em R$ 15 mil em uma ação civil. Para a juíza da 19ª Vara Cível
de São Paulo, Inah de Lemos e Silva Machado, a procuradora maculou a imagem do
juiz federal ao tecer comentários sobre sua conduta no blog de Luís Nassif. O
juiz federal acusou a procuradora de ofender sua dignidade e honra.
De acordo com a
sentença, não cabe analisar se as decisões do juiz federal foram acertadas ou
não, nem se, no caso, houve transgressão aos deveres do cargo de magistrado,
previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, “matéria afeta à
Corregedoria”. No entanto, com a leitura da mensagem “colocada a acesso de
qualquer pessoa que adentrasse" o blog se conclui que houve ofensa a
Mazloum, escreveu a juíza.
Para ela, os
comentários da procuradora que, em tese, possui conhecimento técnico, macularam
a imagem do juiz federal, na medida em que a frase “é mais uma violação de
sigilo perpetrada pelo juiz no mesmo processo” leva o leitor a indagar se as
atitudes praticadas por Mazloum no processo, “seriam ao menos adequadas”.
“Ciente estava a requerida que diversas pessoas teriam acesso ao texto e o
leriam em complementação à notícia do jornalista.”
Ação Penal 613
Lilian Matsuura é
repórter da revista Consultor Jurídico.
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